quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Nomes

É difícil nomear as coisas, as pessoas; é como se diminuíssemos a grandeza a qual poderiam de alguma forma, muito especial atingir. Ou seja, é como se condicionássemos as coisas a uma determinado modo de ser, aliás muito mais um determinado um modo de ser visto. É como se uma ligação nervosa se formasse entre os neurônios pré-condicionando ao que pessoa vir. Isso é comum, muito comum.

Por exemplo, ao vermos uma obra de arte abstrata, se ali houvesse um nome específico e determinante, poderíamos jamais compreendê-la perfeitamente contando com todas as interpretações possíveis, mesmo sabendo que jamais iremos entendê-la completamente, o simples fato de não limitar a visão do observador já é importante. Sobre este fato, ainda me lembro de uma flor que desenhei num papel amassado e passei pincel atômico, escrevi no título:"Pode ver a flor?", as pessoas que viram, rapidamente reconheceram a flor... O que era uma pena, pois aquele desenho era pra ser interpretado como uma forma de mostrar que mesmo em meio a tanta loucura ainda há beleza, ainda há coisas boas, que são óbvias, apenas nós quem não as vemos. Quem visse aquilo deveria pensar um pouco... Bem, com o título, as pessoas rapidamente viam e passavam para o seguinte, não absorvendo nada.

Lembrando que a colocação de nomes para uma pessoa, ou um animal, ainda também um objeto: se nada tivesse um nome, simplesmente teríamos de redescobrir a cada vez que olhamos aquelas coisas e faríamos de maneira impressionada. Isso faria de todos nós um pouco mais despertos para o mundo, não entorpecidos com a passividade vigente dos conglomerados urbanos, onde o egoísmo impera e o materialismo comanda. Aliás, acho que é por isso que as pessoas têm se impressionado menos com o mundo ao redor. O materialismo faz com que as pessoas creiam só no concreto, não se surpreendendo com nada daquilo que ocorra, perdendo, muitas vezes, uma boa parte do encanto de viver.

Claro, para um materialista as coisas ocorrem primeiro na matéria, para entrar no plano abstrato. Sempre há uma 'explicação' material para tudo. Bem, melhor não fugir do assunto. Porém, para eles eu deixo uma pequena parte adaptada pela minha memória do livro de física do Ensino Médio do Doutor Alberto Gaspar: O arco-íris é composto de 7 cores, devido a decomposição do prisma. Agora, o porquê são 7 cores, mas não 8, 9, 19 que aparecem num arco-íris, bem isso é um mistério. O que a ciência faz é apenas descrever os fenômenos, a explicação vai de cada um.
E, para encerrar a parte que concerne aos céticos, George Bernard Shaw, cético lá dos idos 1880 e alguma coisa, dizia claramente "Não vejo porque as pessoas que crêem nos elétrons se consideram menos crédulas do que as que crêem nos anjos" ('Socialism for millionaires', traduzido por Paulo Rónai, nas série 'Clássicos de ouro', pela editora Ediouro, data e local não especificados na obra.). Não preciso dizer mais nada sobre o assunto.

Voltando ao assunto, o nome é estranho à natureza. O nome é uma propriedade humana alienante que transforma coisas estenuamente belas e também complexas, em coisas simples, previsíveis, talvez até mesmo entediantes por isso. Então, o que vemos é uma massa estupefata, parada. Pois, "ora, um cão é um cão; uma nuvem é uma simples nuvem; o vento nunca vai deixar de ser vento, o ara em movimento devido às diferenças de temperaturas, não há nada de extraordinário nisso; a gotas d'água que sempre caem das nuvens sempre terão água em sua maior parte da composição; as pessoas nunca vão viver pra sempre; o mundo sempre vai ser melhor sem aqueles que sonham; a morte é uma constante triste e que nunca tem nada mais a oferecer do que o vazio; as coisas vão sempre cair pra baixo e nunca faremos uma bomba de antimatéria..."(eu me passando por um cético racionalista ateu)

E a massa, apesar de muito crédula, age com descrença. Apesar de ter sentimentos tão profundos, age friamente, somente baseada em provas. Às vezes ateus podem ser tão mais crentes que qualquer um dos próprios, até porque eles crêem na ciência como se fosse deusa...
Que isso tem haver com os nomes? Os nomes são especificações. Deus não deveria ter nome, aliás, nem de Deus deveria ser chamado... Pois o conceito é tão abstrato e tão superior a nossa simples compreensão que muitos insistentemente irão negá-lo.


Salvo para estudos científicos, as pessoas deveriam tentar apenas aprender os verbos, os adjetivos e substantivos para partes das coisas. Ficariam maravilhadas com o que um conglomerado de trilhões de átomos é capaz de fazer. Dependendo do conglomerado, até mesmo ser organizado e ter consciência de si próprio. Extingua-se o substantivo genérico, aquele que reduz a uma classe, uma raça, um ideal. Que tenhamos apenas substantivos específicos para descrever partes das coisas, assim chegando à descrição de maneira fenomenal.


P.S.: Engraçado como há um monte de músicas criadas por aí que são feitas para moças, designadas por nomes. Mas, é interessante notar como esses nomes nada dizem e podem ser atribuídos para qualquer pessoa. Por exemplo aquela música famosa dos Beatles "Hey Jude", que fala sobre uma moça chamada Jude, que tá meio deprimida e que o cara vai dar uma ajuda de 'muy amigo', pode muito bem ser aplicada a qualquer moça naquela mesma situação. Ou seja você pode taxar marianas, joaquinas, filomenas, júlias, jéssicas, rebecas, idalinas, rutes, elizabetes, marias, por aí, de apenas 'Jude'. O mesmo valendo, se gostamos de uma moça, lembramos de "Ana Júlia" do Los Hermanos, Mas que essa moça trouxe desgostos e tudo mais, você pode dizer que essa guria é sua "Ana Júlia"... É estranho, engraçado, até mesmo incompreensível, mas todos os nomes o são, porque eles limitam e resumem, alguns de forma magistral, outras, de maneira boçal.

Um comentário:

Unknown disse...

Definições...
Me intrigam a muito tempo... Elas realmente limitam... Nunca consegui sair do dilema de até que ponto isso é útil, e até que ponto é prejudicial...

O racionalismo que você menciona é o mesmo que Weber chama de "desencantamento do mundo" ... o homem simplesmente passou da crença em Deus à crença na razão (dando resultado, posteriormente, à ciência "cartesiana"). Na minha opinião, ambas são inocentes.
Obs.: Não sou weberiana, mas admito que algumas - poucas - idéias dele são interessantes... É bom esclarecer, pq, do mesmo modo que os nomes restringem as possibilidades das coisas, conceitos como "weberiano", "marxista", "ateu", "comunista", simplificam as idiossincrasias...
Discordo do que você diz dos ateus, sobre materialismo e crença na ciência... muitas PESSOAS fazem isso... mas não é uma característica inerente de "ser ateu". Eu sou um exemplo disso... É mais um problema de falta de bom senso na hora de medir proporções (de conceitos, teorias, opiniões) que qualquer outra coisa...
Mas se eu digo que não creio na religião nem na ciência, qual é a solução pra não cair num completo imobilismo cético?
A resposta pode ser ao mesmo tempo muito simples e muito difícil... No meu caso, foi resolver criar um próprio "aparato" conceitual que tivesse uma função definida... escolher, tendo consciência de que é uma mera opção pessoal, entre teorias explicativas (ou legitimadoras) e problematizadoras (que ao menos tivessem um potencial mobilizador - como já te disse uma vez ^_^) Só não sei quantas pessoas podem conviver com consciência de que não há "verdade", e que é tudo socialmente construído e convencionado :P