A cultura popular é tida – por mim – não só como um conjunto de princípios e manifestações humanas de uma determinada população de indivíduos que atuam de maneira uniforme em um determinado espaço, é mais:é a própria ação destes seres de maneira tal que seu espírito seja representando, sem que haja necessariamente uma imposição de estilo, forma ou tema – como ocorre no que é tido por clássico/erudito. Ou melhor, quando as relações abstratas de vida são de certa forma condensadas e transpostas, comunicadas para outrem por meio de algum veículo de comunicação. É diferente dos outros conceitos de cultura, pois porque lida exclusivamente com tais crenças e compreensões de mundo, viveres de mundo. É uma forma legítima entendimento, por se tratar de um fenômeno espontâneo – ainda que às vistas acadêmicas pareça, algumas vezes, mal feita ou de mau gosto – feito totalmente integrado intrinsecamente com os desejos e anseios daquelas pessoas.
Contudo, há na mídia um fator chamado de “popular” que não corresponde a isto. É a “cultura popular de massa“, com um ponto principal que é, incertamente se esquecido ou simplesmente censurado, justamente é a parte que insiste em ser massificante. Para diferenciá-la da outra cultura, adotar-se-á termo “Cultura popularesca” e o adjetivo usado será: “Popularesco ( a )” usando do diminutivo de maneira, evidentemente, pejorativa, por representar a ideia de que este conjunto de manifestações é ilegítimo, e, portanto, inferior ao conjunto de manifestações populares.
O conjunto de manifestações popularescas é aquilo que é dito ser popular em prejuízo ao que de fato seja. Este subterfúgio é usado vezes baseado no que é popular, vezes em uma artificialização disso, por meio de algum instrumento de comunicação em massa. Tais elementos são criados para dois fins simples e básicos e intimamente ligados: 1) entretenimento; 2) consumo em massa. O primeiro é usado na privação das massas da posse de um ativo fundamentalemnte humano – capacidade de raciocínio crítico, cerceando as opiniões de todas as pessoas ao que um pequeno grupo, tido como “formador de opinião“, tem como norte em seus discursos. O segundo fator é a base da manutenção do sistema econômico em vigência, no caso, o capitalismo. Na verdade, o “consumo” como sinônimo de “uso final de algo” é visto, de maneiras diferentes, em todas as sociedades humanas, contudo o modelo de de consumo capitalista é especificamente em massa, dada a maneira como a qual as produções são realizadas, em se explorando e usando de mão-de-obra assalariada; os recursos são explorados com a máxima tentativa de obter lucro e eficiência, sem se importar com danos e a eventual escassez dos mesmos, na maioria dos casos, exceto em propagandas de “Responsabilidade social“; e as trocas, feitas: forçando ao explorado usar de parte do que ele trocou pelo seu trabalho pelo que ele mesmo produziu, ou poderia ter produzido com o mesmo, ou seja, criando uma discrepância, muitas vezes absurda, entre o trabalho em si e aquilo que o trabalhador poderia ter feito em se tratando dos valores de ambas as partes.
A relação entre o entretenimento e o consumo em massa se dá pela simples relação respectiva de causa e efeito tomada de maneira cíclica de duas formas: 1) a necessidade de consumo é anterior ao entretenimento; 2) a necessidade de consumo é posterior ao entretenimento. No primeiro caso, se trata de consumo de bens de necessidade primários, aqueles que sem os quais, não viveríamos, como alimentos e bebidas. Já no segundo, há a imposição de ideias por meio da mídia em que se necessita da propaganda da existência e dos benefícios do uso de determinado produto, estes são tomados como bens de consumo, meramente. Neste contexto que se insere o fenômeno da diferenciação do que seja popular do que seja popularesco.
Enquanto o popular é também o universo de necessidade humana de expressão feita fora de parâmetros e moldes artificiais tidos como clássicos e/ou eruditos, o popularesco é a utilização dessa necessidade de maneira a perpetuar o fator de etretenimento que visa garantir a coesão de consumo, ou seja, a paridade entre o produto popular e o produto popularesco, entre a realidade ficcional legítima e a realidade ficcional criada para satisfação das necessidades de manutenção do sistema. Na primeira, há os valores do povo, dos explorados; na segunda, os valores são os de quem explora, quem domina, ou pelo menos, os esperados pela elite por parte de quem seja dominado.
A indústria cultural, portanto, cria o popularesco e o toma como popular. Tal conceito não substitui o conceito de indústria cultural de massa, pelo simples fato que cultura popular está para cultura popularesca assim como o povo está para a indústria de massa. Assim sendo, aquilo que recebe o atributo “popularesco”, tem um peso, em termos de formação linguistíca equivalente ao de “popular”.
Cabe ressaltar ainda a hierarquia moral no juízo de valor estético filosófico entre ambas. Como já afirmado, o que provém do popular é algo bom, saudável e necessário para a manifestação e consolidação do povo como comunidade, porém o provindo da indústria cultural, portanto, popularesco, é um elemento de massificação e uniformização passiva, não de união verdadeira das pessoas que acabe por incidir na identidade de maneira absoluta a ponto de determiná-la.
Todavia, o que se observa com grande facilidade, em tempos contemporâneos, é a unificação de forma espetacular de ambos os conceitos. O popular está sendo tomado como popularesco e vice-versa. Quando um Estado-Nação chega ao cúmulo, por exemplo, de ter como elemento principal de “união popular” os eventos e elementos apenas divulgados pela mídia, acaba por se tornar uma popularização inventada de modos e paixões que, de fato, não interferem diretamente na vida dos cidadãos. É assim com o Carnaval e com o Futebol: acaba-se por ter uma identidade inventada a partir de elementos que a indústria cultural insiste em passar por popular, como se fosse legítma a expressão neste esporte por parte de pessoas que vivem em locais em que haja pouca expressão do mesmo – Estados principalmente do Norte – ou então de gente que passa por enormes privações e acaba tendo o foco desviado de qualquer forma de reivindicação para festejos carnavalescos ou jogos de futebol.
Seria o “Popularesco” análogo ao “circus” da “pax romana”? Absolutamente, a despeito das diferenças históricas – em que o povo romano se via orgulhoso de si próprio por ter o direito de decisão sobre vida ou morte em relação aos outros povos – pode-se inferir com certa tranquilidade que o uso de propagandas repetitivas e a imagem transpassada por meio de eventos esportivos acabam contribuindo para o controle do ócio em vias de entretenimento. Isto acaba tolhendo a capacidade de educação e libertação que tal período poderia proporcionar e, como consequência, vê-se um povo, à medida em que cria a cultura popular, também que se deixa dominar pela cultura popularesca, sendo esta, por sua vez, cria direta da própria manifestação de algum artista – popular – em particular que acaba por se render às formas preconcebidas de lucro, de obtenção de rendas por meio de sua arte. Arte esta que por não ser mais livre, acaba se tornando factível de censura/editoração, pelo simples fato de que um editor ou produtor qualquer pode simplesmente negar a publicação de tal obra desde que não haja “interesse” por parte do mesmo em fazê-lo.
Porém, as grandes empresas, que dominam oligarquizando a cena econômica midiática, em geral argumentam que não publicam – não têm interesse em – determinado artista pela possibilidade de não haver aceitação por parte do público em decorrência de algo chamado “moda” – outro fator popularesco - ou então em decorrência da falta da qualidade técnica do indivíduo que deixa a desejar nos quesitos estéticos do mínimo agradável – sendo este fator, porém, facilmente superado pelo primeiro, pois o primeiro produz somas de vultosos lucros para a corporação que o apóia.
Tal argumento torna-se radicalmente falho ou falacioso porque o meio, a moda, é ditada justamente pela cultura popularesca. Ou seja, o povo pode até gostar de algo colocado pela mídia – sim, pessoas podem fazer escolhas – mas esta escolha foi sobremodo influenciada pelo histórico do que se passa na sociedade em que vivem, bem como de tal forma influenciada pelos inúmeros estímulos diários propagandeados em seu habitat, que não só o produto de expressões populares em arte se tornam produto de consumo como, principalmente, o produto popularesco se torna popular. Como numa fábula qualquer do Esopo, em que algum lobo tenha se passado pela pele de um cordeiro, a massificação entorna a liberdade de expressão de pensamento – potencialmente gerador de críticas construtivas ao sistema – como uma liberdade de expressão propagandística voltada essencialmente ao mundo do “eu” ou das ditas “celebridades”.
O perigo maior disto, no entanto, é não se aperceber da situação, permitindo-se que se cometam excessos contra os direitos de privacidade, gerando uma influência de maneira tal efusiva, que se torna quase uma lavagem cerebral passada por gerações. Porque se omite a verdadeira situação do povo em troca de merchandising, anúncios de propaganda, sensacionalismo, programas medíocres de auditório, shows, eventos e espetáculos que acabam por amortizar a dívida que o Estado tem para com quem sequer entende direito o significado de “Programa Social”. A cultura popular deve ser mantida, incentivada e melhorada, isto, infelizmente, é oposto ao que querem indivíduos ditos políticos, mas que no fundo jamais passaram de aristocratas, senhores de engenho, que mantêm o povo em si, se aproveitando da falta de raciocínio crítico da gente humilde popular – mantendo, nestas terras tupiniquins, uma participação enorme no parlamento, por se tratarem, em sua grande maioria, vindos da Região Nordeste. Estes insistem em manter o popularesco, incentivá-lo e, até mesmo, crer na própria mentira criada senão por eles próprios, ou seus comparsas, por seus antepassados, donde, por sinal, herdaram a arte de unificar e manobrar as massas tornando imperceptível a diferença entre o popular e o popularesco.
PS.: Este efeito, contudo, não é restrito às personagens políticas nordestinas: há uma legião de políticos a Macrorregião Sudeste que morreriam pelo neo Liberalismo.